Pois é, meus amigos. Sou eu, o Homem Absurdo. Talvez estivessem à minha espera, ou talvez não. Mas o certo é que aqui estou. Cheguei.
Aposto que muitos pensavam que nunca mais me iam ver, ahn? AH! Enganei-vos bem! Paspalhos!
Mas o certo é que eu próprio também já duvidava que alguma vez cá chegasse. Afinal, tanto tempo assim, digamos, inexistente, isso faz um gajo começar a duvidar de tudo. Até de si mesmo.
Mas chega destes disparates. Divagar é aborrecido, o que é todo o contrário do absurdo. Portanto vamos acabar com isso.
O que me interessa agora é a vida exterior, experiências, relações, tudo isso – sangue e fogo. Vinho é que não pode ser, o que é pena. Mas não é grave. Mais vale absurdo e sóbrio que alcoolizado e sombrio.
Afinal, se quisesse a vida interior ia para um convento, não é verdade? O que, confesso, me chegou a passar pela cabeça. Afinal, ficava bem com o meu percurso de personagem de romance russo. O Ivan Karamazov e tudo isso…
Mas enfim, não cheguei a ir. E agora acho que já passou a altura. Talvez mais tarde.
Então pensei: se não vou para um convento nem desafio ninguém para um duelo (uma hipótese sempre excitante, mas infelizmente demasiado passé para pôr em prática), o que é que faço? Também podia simplesmente enfiar uma bala na cabeça, como um bom russo, ou ir dançar com um urso.
O problema é que os ursos são difíceis de arranjar (os que sabem dançar uma mazurka decente, pelo menos) e dar um tiro na cabeça sem ser iluminado por uma vela de sebo seria simplesmente patético. E as velas de sebo são ainda mais difíceis de arranjar que os urso dançarinos, simplesmente já não se fabricam. Suponho que passaram de moda, como os duelos. Uma treta, este mundo moderno.
Restava-me a hipótese da tísica. Afinal, nada como uma boa tísica, não é verdade? Mas faltavam-me dois ingredientes fundamentais: as velas de sebo (sempre um problema) e a amante devota e famélica, que trataria de mim no casebre imundo, indiferente à pobreza confrangedora.
Sem velas de sebo e sem amante famélica não se pode ter uma boa tísica. Além disso, creio que me vacinaram contra isso. Teria que confirmar nos meus muitos boletins de vacinas, mas estou convencido que sim.
Portanto, nem tísica, nem duelo, nem bala na cabeça, nem urso dançarino. Que restava, então?
A resposta só podia ser uma: o salto para o absurdo. E foi isso que fiz. Fechei os olhos e saltei, sem pensar. Quando os voltei a abrir estava aqui. Era eu.
Olá. Bem-vindos à vida absurda. Ela está apenas a começar.